Você deixa o feijão de molho?
- Laura Leal
- 21 de dez. de 2017
- 3 min de leitura

Não apenas o feijão, mas todas as leguminosas (grão de bico, lentilha, ervilha, soja, etc) possuem vários fatores antinutricionais: compostos que reduzem absorção de nutrientes e dificultam a digestão.
A maior parte desses fatores são mecanismos que a planta desenvolveu ao longo da evolução para se defender de predadores (microrganismos, insetos, pássaros, etc). Algumas dessas substâncias podem ser tóxicas e devem ser evitadas sempre que possível. Outras têm o efeito bem mais moderado, e apenas reduzem a absorção de alguns nutrientes, se ingeridos ao mesmo tempo.
Esses fatores antinutricionais não são motivo de pânico!
Todos os vegetais - e algumas fontes animais - possuem algum antinutriente. Talvez o grupo que contenha mais antinutrientes sejam as leguminosas, mas você não precisa parar de comer feijão!
Dicas simples podem ajudar a eliminar ou atenuar essas substâncias e aproveitar todos os nutrientes que o feijão pode te fornecer!
1. Nuca ingira leguminosas secas cruas
Essa dica parece meio boba, nunca vi ninguém pensar em comer feijão cru. Mas vale citar, porque o cozimento inibe dois antinutrientes importantes das leguminosas:
- Inibidores de proteases: substâncias que dificultam a ação de enzimas digestivas (principalmente tripsina), prejudicando a digestão. Essas substâncias estão presentes principalmente na soja, e foi demonstrado em experimentos com animais que podem levar ao aumento da secreção pancreática. No entanto, esses compostos são destruídos facilmente com o calor, e o cozimento elimina sua possível toxicidade.
- As temidas lectinas-hemaglutininas: para as plantas, são importantes para a germinação e oferecem proteção contra ação de fungos. Para os animais, as lecitinas têm elevada toxicidade. Injeção experimental em animais provocaram inflamação intensa, destruição das células do epitélio, edema, hemorragia em tecidos linfáticos, degeneração gordurosa, necrose do fígado e lesões do miocárdio e sistema vascular. No entanto, isso só se verifica para os grãos crus. A cocção reduz a atividade dessas substâncias a valores negligenciáveis.
Por isso, não se deixe enganar por textos catastróficos: essas substâncias estão presentes nos grãos crus. Como você só ingere os grãos cozidos, esses compostos não devem ser uma preocupação!

2. Deixe o feijão (e todas as outras leguminosas) de molho
O molho deve ser por 8-12h em temperatura ambiente, ou por 24h na geladeira.
A principal função do molho não é "cozinhar mais rápido": ele evita o inchaço e os gases intestinais.
O molho inicia a fermentação dos grãos e elimina o excesso de oligossacarídeos presentes na casca (rafinose e estaquiose). Sem deixar de molho, a fermentação pode ocorrer no intestino grosso, gerando gases e sensações desagradáveis.
*Se você não teve tempo de deixar de molho, ainda tem jeito: ferva a água, desligue o fogo e adicione o feijão. Deixe descansar por 1h e elimine a água. Só então cozinhe, com água limpa.
3. Adicione uma fatia de laranja ou esprema um limão quando ingerir leguminosas
Essas frutas são ricas em vitamina C, que reduz o ferro presente no feijão à forma ferrosa, aumentando sua absorção pelo organismo.
As leguminosas contém fitatos, que têm a função de aumentar o seu estoque de fosfato, necessário à sua sobrevivência. No entanto, essas substâncias reduzem a disponibilidade de metais (principalmente ferro, zinco e cálcio). Fitatos resistem às temperaturas, por isso a cocção não é capaz de destruí-los. O molho é capaz de reduzir sua concentração, principalmente por diluição.
Por isso, além de deixar de molho, recomenda-se adicionar vitamina C às refeições em que sejam consumidas leguminosas, para aproveitarmos ao máximo o ferro disponível.
A sabedoria popular já avisava: feijoada tem que ter laranja!

4. Dê um choque térmico na soja
As lipoxigenases, enzimas presentes na soja, quando em contato com a água fria podem produzir compostos indesejáveis como os aldeídos, cetonas e álcoóis, que têm sabor desagradável. Para inativar essas enzimas, deve-se ferver os grãos de soja por 5 minutos e imediatamente emergir em água fria. A água deve ser descartada, e em seguida os grãos devem ser deixados de molho por 8-12h conforme item 2.
O choque térmico só é necessário para a soja, as demais leguminosas não possuem lipoxigenases em quantidades consideráveis. Produtos industrializados de soja, como "leite" de soja, tofu, proteína texturizada de soja, etc normalmente já tiveram as enzimas inativadas antes de (ou durante) sua produção, por isso não precisam ser submetidos ao choque térmico.
REFERÊNCIAS:
ARAÚJO, Wilma M. C. et al Alquimia dos alimentos Série Alimentos e Bebidas Volume 2. Editora SENAC. Brasilia, 2009
DOMENE, Semíramis M. A. Técnica Dietética Teoria e Aplicações Ed Guanabara Koogan, 2011
SILVA, Mara R., SILVA, Maria A. A. P. ASPECTOS NUTRICIONAIS DE FITATOS E TANINOS Rev. Nutr., Campinas, 12(1): 5-19, jan./abr., 1999
SILVA, Mara R., SILVA, Maria A. A. P. da FATORES ANTINUTRICIONAIS: INIBIDORES DE PROTEASES E LECTINAS Rev. Nutr. vol.13 no.1 Campinas Jan./Apr. 2000
Site da web: Soja na alimentação - Embrapa Soja. Disponível em http://www.cnpso.embrapa.br/soja_alimentacao/index.php?pagina=24 Acesso em 21/12/2017.
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